Dinorá de Carvalho deixou em meu espírito impressões pessoais profundas, apesar do pouquíssimo contato que tivemos. Toda vez que subo a um andar alto de um edifício lembro-me de suas palavras: “Gosto de morar em andares altos, porque um artista gosta de ficar longe do barulho, vendo a lua mais de perto...” Nunca esqueci e tenho bem presente a consciência que ela manifestava em relação a seu próprio trabalho: “Experimentei de tudo em música, tentei todos os caminhos, me renovei sempre”. E é verdade.
Tenho na memória também um certo tom de rosa, forte, que ela gostava, e que identifico tanto com ela que acho que poderia se chamar o “rosa-Dinorá”. Era o tom das colchas de cetim matelassê nas camas gêmeas, que me mostrou, ainda inconformada com a doença e o falecimento do marido.Por coincidência, era o mesmo tom do vestido que ela vestia naquele dia. Como esquecer aquela senhora de oitenta e tantos anos absolutamente inconfessos (ah! A vaidade feminina!) ágil o suficiente para sentar no chão, arrumando com graça e donaire a saia em volta de si? Estávamos devassando todos os seus armários de música, em busca de seus manuscritos, que espalhamos pelo chão, tantos eram eles...
Estes rápidos toques pessoais de Dinorá não estão ausentes de sua obra. Consciente de seu papel de verdadeira artista, ela sempre se manteve em nível elevadíssimo de criação e interpretação, em todos os idiomas musicais que adotou. Passando por muitas correntes, aprofundou mais a linguagem nacionalista. São de sua fase nacionalista a maioria das músicas que hoje em dia são interpretadas. Mas, em toda oba de sua lavra, há um substrato, uma cor própria, um !tom-Dinorá” que se impõe e revela seu íntimo, sua unidade de criação. E que é reflexo, com certeza, da chama de vida e lucidez que manteve resplandescente até seu último alento.
(Escrito para as comemorações do Centenário de Dinorá de Carvalho
(1.6.1895-28.2.1980), realizadas no dia 23.5.1996)
terça-feira, 29 de junho de 2010
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Um comentário:
Estudei com Dinorá de Carvalho durante 12 anos, desde a infância até sua triste partida...
Aprendi muito com ela, não só sobre música e piano, mas sobre a vida, a grandeza de espírito, a generosidade que lhe era tão peculiar.
Seus ensinamentos foram a base sólida de todo o conhecimento e técnica que hoje possuo.
Felizes aqueles que puderam compartilhar de sua Amizade, que puderam conviver com essa grande mulher!
Leila Guimarães
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