terça-feira, 29 de novembro de 2011

ONEYDA ALVARENGA, CLORINDA ROSATO E MARIO DE ANDRADE - Parte II

A carreira de Clorinda Rosato como pianista começou já em 1932, na cidade de Bauru. Dada sua grande qualidade técnica e interpretativa, que tive oportunidade de presenciar em 1981, seu professor de piano nos tempos do Conservatório, Miguel Antonio Gallo, mereceria ser lembrado – e não o é. Os poucos documentos que existem sobre a vida musical de São Paulo não o mencionam, nem a Enciclopédia da Música Brasileira. Todavia, segundo palavras da própria Clorinda, ele “exerceu grande influência em sua formação”.

Já graduada, ela passou a estudar piano com Frutuoso Viana, músico mineiro, hoje mais conhecido como compositor. E dedicou-se também a estudar composição com Martin Braunwieser e Francisco Mignone, participando ainda de um curso de análise musical ministrado por Fúrio Franceschini. Nestes cursos recebeu estímulo para compor música de câmara, e criou então um Improviso para Trio, e os Quatro Ensaios para Quarteto de Cordas, ambos no ano de 1936.

Um traço comum às compositoras com formação pianística é dedicar-se a compor principalmente para piano. Clorinda Rosato não fugiu à regra, e produziu páginas de grande profundidade, que incluía em seus recitais. O jornal O Estado de S. Paulo, em 1933, comenta: ”Apresentou-se também como compositora, incluindo no programa a Dança de Caboclo.Essa composição, de grande poder evocativo, teve de ser bisada pelos aplausos entusiásticos da grande assistência, os quais não foram regateados também à jovem concertista”. Já o também pianista e crítico Egydio de Castro e Silva, do Rio de Janeiro, escreve, em 1939: “A rítmica complexa, variada e difícil da música brasileira, os seus acentos, encontraram em Clorinda Rosato uma realizadora de primeira ordem. E foi uma agradável surpresa constatar o real talento da recitalista compositora”.

Enquanto Clorinda Rosato dedicava seu talento simultaneamente ao piano e à composição, Oneyda Alvarenga assumia o posto de Chefe da Discoteca, sub-seção de uma Rádio-Escola que nunca chegou a ser implantada. Na mesma medida em que a Discoteca era um ponto de partida para a implantação de um projeto que pretendia “educar” musicalmente a população, era também o suporte de Mario de Andrade para outras atividades, como a Missão de Pesquisas Folclóricas, os projetos de gravação de música erudita brasileira e o Congresso Nacional da Língua Cantada.

Apesar da preferência pelo piano, Clorinda Rosato criou, de 1935 a 1939, diversas obras corais, como Engenho novo, Tatu é caboclo do Sul e Canto de escravos, que durante muitos anos, mesmo finda a gestão de Mario de Andrade, integraram o repertório do Coral Paulistano – que foi criado com essa finalidade: cantar música de caráter brasileiro, em língua portuguesa.

De forma bem mais direta, Clorinda e Oneyda se aproximaram quando, dentro do projeto de gravações da Discoteca, o pianista Arnaldo Estrella gravou sua Valsa nr 2, na série 6 Valsas Brasileiras. E também quando, em 1937, o Departamento criou um Concurso para peça corais com texto de Gregório de Matos. Clorinda Rosato recebeu, nesta ocasião, Menção Honrosa por sua obra Quatro Corais.

(Segue)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ONEYDA ALVARENGA, CLORINDA ROSATO E MARIO DE ANDRADE - Parte I

Vem dos tempos em que Oneyda Alvarenga e Clorinda Rosato cursavam o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo a amizade que desenvolveram com Mario de Andrade. Este era professor de piano de Oneyda Alvarenga, e de história da música de ambas. Clorinda Rosato estudou piano com o prof. Miguel Antonio Gallo.

Oneyda Alvarenga revelou sua aptidão literária desde os primeiros contatos com Mario de Andrade. E quando ela se aproximava da conclusão de seu curso, ele a orientou (em uma escala um pouco diferente dos cursos de pós-graduação da atualidade) na escrita de seu texto A linguagem musical. Este texto, que mais tarde seria um trunfo importante em sua indicação para a chefia da Discoteca Pública Municipal, vem sendo analisado, no Instituto de Estudos Brasileiros da USP, pela doutoranda Luciana Barongeno, sob orientação da Profa. Dra. Flávia Toni.

O apoio e orientação que Mario de Andrade dedicou a Clorinda Rosato têm um caráter um pouco diferente. Segundo ela mesma me contou,um dia, estava tocando piano no Conservatório, e Mario se aproximou e perguntou que música era aquela.”Ora, uma brincadeira que eu mesma compus”, respondeu; ao que ele acrescentou: “Pois tem um pedal muito interessante”... A partir de então, e mesmo depois da conclusão do curso, ele continuou a apoiá-la em seu talento e vocação de compositora.
Um exemplo desse apoio está na Discoteca Oneyda Alvarenga, do Centro Cultural São Paulo. É uma narrativa que serve como apresentação da cópia xerográfica do manuscrito original do Noturno (à memória de Mario de Andrade), de Clorinda Rosato, tombada sob número P. 7873. O texto foi escrito por mim, à época Arquivista Artística da Divisão de Discoteca e Biblioteca de Música, nome que a antiga Discoteca Pública Municipal manteve enquanto constou do organograma do IDART, isto é, de 1975 a 1982. Como segue:

“PEQUENO HISTÓRICO DO NOTURNO – Esta é uma composição para piano, escrita em 1934. Nessa época Da. Clorinda estudava no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde era aluna de Mario de Andrade na classe de História da Música. / Sabendo do talento da aluna para a composição – ao qual dava todo incentivo – o professor pediu-lhe que escrevesse um ‘Noturno de expressão brasileira, com duração de três minutos’, para ser executado em recital em casa dele./ Da. Clorinda o escreveu no prazo de um mês./ A dedicatória à memória do professor deve ser bem posterior, pois o Noturno foi escrito em 1934 e o Prof. Mario de Andrade faleceu em 1945.
(As informações deste pequeno histórico foram fornecidas pela própria autora, exceto no que se refere ao ‘talento da aluna para a composição’, que é dedução nossa; modesta, Da. Clorinda jamais se refere ao seu talento) ”.

A obtenção da cópia do Noturno, de outras obras dela e mesmo um recital realizado por Clorinda Rosato em 3 de setembro de 1981 faziam parte de um projeto maior de reunião de depoimentos e obras de autores brasileiros, projeto este interrompido quando da mudança da Discoteca para o Centro Cultural São Paulo, em 1982. Em verdade, pudemos fazer muito pouco, do que estava previsto; mas mesmo este pouco serviu para que não se perca de todo a memória de muitos artistas talentosos, entre os quais Clorinda Rosato.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O PIANO DE CHIQUINHA GONZAGA

Muitos anos atrás, o piano de Chiquinha Gonzaga estava na casa de uma sua descendente, Dona Alzira, em São Paulo. É o mesmo instrumento em que a compositora aparece, já idosa, numa conhecida foto.
Quando mudei para São Paulo, meu tio Donato, falecido há muitos anos, conhecia esta senhora. E me levou à sua residência para conhecê-la, com a finalidade de criar um círculo de amigos para mim.
Logo que chegamos, ela nos contou que o piano tinha sido da Maestrina, sua antepassada, e perguntou se eu conhecia sua obra. Ficou desapontada quando eu disse que não...
Dona Alzira, viúva, tinha dois filhos, um com cerca de vinte anos, o outro ainda adolescente. E nós três nos entendemos muito bem. Em torno do piano que havia sido de Chiquinha, improvisamos um sarau: o filho mais velho tocava guitarra, o mais novo – que tocava de ouvido – ou fazia duo comigo no piano, ou cantávamos... Tudo entremeado de muita alegria e surpresas, sobretudo quando inventávamos juntos alguma música, ou parodiávamos algum sucesso da época.
Novata na cidade, eu não sabia direito onde estava, e até hoje não sei ao certo qual era a localização do prédio. Os fragmentos de memória que consigo reunir me levam ao Edifício Sérgio, na esquina da Avenida Brigadeiro Luís Antonio com a Rua Humaitá, mas não tenho certeza.
Na época, prometi voltar para nos divertirmos mais um pouco. Mas, em seguida, meu tio ficou fora da cidade por algum tempo, e eu não sabia chegar ao apartamento de Dona Alzira. E logo depois as aulas na Faculdade começaram. A vida me levou para outro lado.
Uns dez anos depois daquela visita, ou um pouco mais, li nos jornais que o piano de Chiquinha Gonzaga estava à venda porque Dona Alzira ia se mudar para os Estados Unidos, acompanhando um dos filhos. E eu nunca soube o destino daquele piano...
Mas sempre mantive uma certa tristeza, por ter dito (com sinceridade) a eles que não conhecia nenhuma obra da Chiquinha. Na verdade, eu conhecia, sim; mas só descobri mais tarde.
Quando estava escrevendo o livro Mulheres Compositoras, encontrei na antologia Juvenília, dos Salesianos, a linha melódica e a letra da linda canção Luar na serra, de Chiquinha Gonzaga.
Luar na serra era uma das músicas que cantavam para eu dormir, quando era pequena.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

ETHEL SMYTH E O VOTO FEMININO NA INGLATERRA

Cem anos atrás, as mulheres não tinham direito de votar em país algum. Mas em diversos países, há mais de cem anos, uma imprensa feminina politizada já reivindicava os direitos das mulheres e esta batalha atingiu o ponto dos direitos políticos – isto é, o direito ao voto.
A lista de nomes envolvidos nesta luta é enorme, mas deter-nos-emos neste estudo em uma compositora que foi também sufragista: a inglesa Ethel Mary Smyth. Nascida em 23 de abril de 1858, iniciou os estudos de música na Inglaterra, e prosseguiu na Alemanha.
Nos tempos de Conservatório, em Leipzig, ela foi encorajada a compor por personalidades importantes do mundo musical europeu, como Brahms, Grieg e Clara Schumann. E durante seu período no continente, teve quatro de suas óperas (todas com libreto de sua autoria) encenadas; ainda hoje são lembradas The Wreckers (Os náufragos) e Fantasio.
Em 1909 retornou a seu país e em 1910 recebeu doutoramento. Nessa mesma época, exerceu a militância pelo voto feminino, liderando facções do movimento e sendo por esta razão mantida encarcerada durante 2 meses.
Por esse tempo, a Inglaterra contava com um grupo organizado, de sigla WSPU (Women’s Social and Political Union). Em 1911 Ethel compôs a March of the Women, que se tornou o hino das sufragistas inglesas. Além desta obra, compôs outras de caráter político. Em 1928, a Inglaterra conquistou o direito ao voto feminino.
Depois de 1930, Ethel Smyth dedicou-se a escrever livros, alguns de caráter autobiográfico. Reconhecida por sua obra, ela recebeu o título de “Dame”, o equivalente feminino de “Sir”.
Ethel Mary Smyth faleceu em 8 de maio de 1944.

Bibliografia:
BARONCELLI, Nilcéia C. S. Mulheres compositoras – elenco e repertório. Brasília, INL/São Paulo, Roswitha Kempf, 1987.
COHEN, Aaron I. International encyclopedia of women composers. New York & London, R. R. Bowker Co., 1981 (1ª. ed.)

Leia sobre o direito ao voto das brasileiras em www.escrevo-existo.blogspot.com.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

MARIA GREVER E MARGUERITE MONNOT

O ano de 2001 assinala os sessenta anos de falecimento de duas compositoras mundialmente famosas: a mexicana Maria Grever e a francesa Marguerite Monnot.
Maria Grever estudou na Europa, onde foi aluna inclusive de Claude Debussy. Mas consagrou-se como compositora de grandes sucessos populares, depois de ganhar um concurso na Espanha, como compositora, e também no México, seu país, pela canção Tipitin. Nascida em 1894, radicou-se nos Estados Unidos em 1915, por ter casado com um americano. Neste país, foi pianista ensaiadora em grandes teatros e escrevia canções para filmes, por encomenda da Paramount Pictures. A canção que escreveu para o filme Escola de Sereias (Bathing Beauty), de 1944, Te quiero, dijiste, mais conhecida entre nós por Muñequita linda, é ainda hoje muito lembrada. Não mais, talvez, que o tango Jurame, gravado inicialmente por José Mojica. Maria Grever quase sempre fazia a letra de suas canções.

No período em que a cantora e atriz argentina Libertad Lamarque foi obrigada a exilar-se, por sua inimizade com Evita Perón, realizou no México, contracenando com o galã argentino Arturo de Córdoba, um filme em que encarnou a famosa compositora.
Marguerite Monnot, nascida em 1901, estudou piano com Alfred Cortot e composição com Nadia Boulanger. Seus maiores sucessos foram gravados por Edith Piaf, que por vezes fazia as letras das canções, como a famosíssima Hymne a l’amour. Foi parceira também de Dusty Negulesco, George Moustaki e René Ronzand, entre outros.

Embora a ficha técnica do filme Irma La Douce, de Billy Wilder, indique ser a trilha sonora de André Prévin – e esta trilha foi considerada a melhor de 1963 – algumas das canções são apresentadas em outras fontes como sendo de autoria de Marguerite Monnot. Que, no ano do lançamento da divertida comédia, já era falecida.
O sucesso de sua canção com texto de Edith Piaf foi tão grande que o filme sobre a vida da cantora chama-se Piaf – um hino ao amor.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

CANTE COM RENÉE SIZUDO

CANTE COMIGO – LETRAS, PARTITURAS E TROVAS é uma encantadora produção infantil da compositora Renée Fonna Sizudo.

Trata-se de um livro com lindas peças infantis, das quais a maior parte das músicas e poemas são criados pela própria Renée, e entre essas criações, adaptações de trechos de ópera: O mio babbino caro, de Giacomo Puccini; Habanera, da ópera Carmen de G. Bizet; o tema do Coral da Nona Sinfonia de Beethoven e ainda a canção napolitana O sole mio, de E. di Capua. A estas peças consagradas, Renée adaptou letras infantis.

As próprias criações da autora guardam muito da simplicidade necessária às crianças e percorrem uma temática pertinente à faixa da pré-escola (Educação Infantil). O CD, muito bem gravado, tem a própria autora cantando e acompanhando-se ao piano, em uma tessitura adequada a vozes infantis.

Renée Sizudo retoma neste trabalho uma linha que foi sendo deixada a partir dos anos setenta. Mas, desde a década de trinta, grandes mestres da música dedicaram obras ao repertório infantil brasileiro, como Savino De Benedictis, Fabiano Lozano, João Batista Julião, Dinah Menezes e o próprio Villa-Lobos, entre outros, que produziram obras infantis para uso escolar.

Agora, que o ensino da música volta às escolas, esta é uma ótima sugestão, pois a gravação – possível sem restrições, nos dias de hoje – é uma ferramenta importantíssima, já que nem sempre os professores têm formação que permita a leitura das notas, nem instrumentos para leitura e acompanhamento musical. Musicalmente, Renée acertou em tudo. Mas há um “extra” neste livro: as lindas ilustrações, dela mesma, de sua filha Renée (Satomi) e das irmãs Íris e Zenaide.

CANTE COMIGO - LETRAS, PARTITURAS E TROVAS é um livro de 64 páginas, 18 ilustrações a cores e 2 a bico-de-pena, 30 canções da própria Renée, as 5 adaptações, e as 35 linhas melódicas. Foi editado pela EDICON em 2010 e pode ser encontrado na Livraria da Vila da Av. Moema. F. 5052-3540

CLARA SCHUMANN – COMPOSITORA X MULHER DE COMPOSITOR

A pianista e professora Eliana Monteiro da Silva retoma neste livro a trajetória da mulher que é o paradigma da pianista clássica, investindo no resgate de seu trabalho de compositora. A abordagem de Eliana é muito criativa, e o livro começa com uma petição ao “Exmo. Sr. Juiz do Comitê Internacional de Música”, solicitando o reconhecimento e a manutenção da memória de Clara.

O livro é, em essência, o trabalho com o qual conquistou o título de Mestre, pela Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Amilcar Zani Netto. A história de vida de Clara Schumann é exposta em seus fatos principais, como “provas factuais”; e suas composições musicais, depois de uma relação completa das obras, um breve histórico delas e algumas análises, são colocadas como “provas documentais”.
O livro termina, no capítulo “Da sentença”, com as “Razões finais”, onde suas conclusões são incisivas.E, apesar de tecer considerações de grande amplitude em relação às atitudes do “mercado musical ocidental”, consegue resumir de modo muito claro e satisfatório a maneira como a música clássica, ou erudita, vem sendo tratada neste século pós-romântico. Não obstante o tom melancólico deste último capítulo, há uma ponta de otimismo em suas palavras finais: “Se o século XIX redescobriu a música de seus antepassados, o mundo ainda pode apreciar a música de mulheres como Clara Schumann”.

Muito bem documentado e muito bem escrito, o livro tem como ponto alto as análises, sucintas, embasadas em metodologias bem estabelecidas. Mesmo com um conhecimento restrito de análise musical, um músico consegue acompanhar o raciocínio da autora, o que abre a perspectiva do trabalho para fora do âmbito estritamente acadêmico. A análise é acompanhada de exemplos musicais.

O livro é ainda ilustrado com reproduções de imagens da Robert-Schumann- Haus Zwickau, e delicados desenhos a lápis, de Maracy Monteiro, irmã de Eliana. Faltou, todavia, uma gravação em CD, com obras de Clara Schumann, que Eliana interpreta tão bem. Fora isso, o saldo é altamente positivo, e raro, num país onde se investe tão pouco em cultura.

Que este livro seja, então, um modelo para futuros trabalhos, sobretudo sobre Mulheres Compositoras. Pois, parafraseando o final da letra do Hino a Londrina, escrita por seu avô Francisco Pereira de Almeida Jr, que diz (das lavouras de desse município):”Padrão de trabalho plantado na história”, podemos dizer que este deve ser também o “padrão de trabalho plantado na história...da música... das mulheres compositoras...”

E dos compositores também.

segunda-feira, 4 de abril de 2011