quinta-feira, 2 de outubro de 2014

CÉCILE CHAMINADE E AMY MARCY BEACH



A compositora francesa Cécile Chaminade (1857-1944) e a estadunidense Amy Marcy Cheney Beach (1867-1944) são compositoras que sempre aparecem em obras de referência, isto é, dicionários e enciclopédias de música. Ambas completam 70 anos de falecimento agora em 2014, e passam a ter suas obras em domínio público, embora estas nunca tenham deixado de ser  interpretadas, no decorrer deste período.

Amy nasceu em família musical, com mãe pianista e cantora, estudou em Boston e atuou bastante como pianista, instrumento no qual estreou aos 16 anos, tocando um concerto de Ignaz Moscheles. Por algum tempo, foi solista frequente da Orquestra Sinfônica de Boston e outras grandes orquestras, além de fazer recitais de piano solo. Casou-se em 1885 com o Dr. Beach, e por insistência dela mesma, passou a assinar Mrs. H. H. A. Beach (o nome dele). Embora tenha estudado harmonia com Julius W. Hill, foi autodidata em contraponto, composição e orquestração, e depois de casada, passou a se dedicar primordialmente a compor. Só voltou a atuar como pianista depois de 1910, quando seu marido morreu; passou então 4 anos na Europa, onde se  apresentou em  Roma, Paris e Berlim. Voltando aos Estados Unidos, continuou compondo e tocando.

Amy foi a primeira estadunidense a compor uma obra orquestral de porte, a Sinfonia em mi menor op. 32, Gaelica, que estreou em 1896, pela Orquestra Sinfônica de Boston. Escreveu também uma ópera, Cabildo e, em 1899, o Concerto para piano em dó sustenido menor op. 45. Compôs também 4 cantatas seculares, no conjunto de uma extensa obra vocal que inclui cerca de 200 peças para canto e piano, obras corais, uma Missa e diversas outras obras sacras.
A Discoteca Oneyda Alvarenga, do Centro Cultural São Paulo, possui dela a partitura de seu Tema e variações para flauta e quarteto de cordas op. 80; e muitas de suas obras podem ser ouvidas no YouTube.   

Embora sua família não fosse propriamente de musicistas, Cécile também recebeu os primeiros ensinamentos da própria mãe, pianista e cantora. Começou a compor já na infância, e foi recomendada por Georges Bizet para desenvolver estudos musicais, o que fez com os renomados  professores franceses de sua época – mas em aulas particulares, já que o pai não consentiu que frequentasse o Conservatório de Paris. Começou a tocar em público aos 18 anos e logo foi convidada para uma turnê na França e na Inglaterra. O sucesso de suas peças pianísticas foi imediato, depois de estréias em que foram interpretadas por ela mesma.

Muitas de suas cerca de 200 obras para piano e 125 canções foram escritas com vistas à publicação e por isso ela é, até hoje, uma das compositoras mais editadas.  Mas seu repertório abrange também peças de mais fôlego, como a Suite d’orchestre op.20 (1881), Les amazones, sinfonia dramática op. 26 (1888), La Sévillane, ópera cômica (1882), Callirhoe, balé-sinfonia para grande orquestra, 2 trios com piano op. 11 (1881) e op. 34 (1887), Concertino para flauta op. 107 (1902) e Concerto para  piano e orquestra  (1893).

Um de seus Estudos de Concerto op. 35 (nr 2, Outono), seu Concertino para flauta op. 107 e sua Scarf Dance , trecho do balé Callirhoe (popularizada em inúmeras antologias de música pianística) são peças até hoje tocadas e gravadas, e podem ser facilmente recuperadas no YouTube, em excelentes gravações.

O Concertino para flauta, em sua versão flauta e piano, foi gravado inclusive pelo duo Irmãos Carrasqueira (Maria José e Antonio Carlos), ainda em LP, e foi apresentada em  São Paulo   pelo flautista Renato Camargo, com acompanhamento de banda.

Os compositores brasileiros, em geral, escrevem poucos concertos ou concertinos, devido à grande dificuldade de conseguir orquestras que os toquem. Além disso, a preparação do material orquestral é cara e dificultosa. Temos, entretanto, obras do gênero escritas por Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone e Oscar Lorenzo-Fernandez. Temos também o Concerto em formas brasileiras de Hekel Tavares, talvez o mais famoso e mais apresentado. 

Mesmo diante de inúmeras dificuldades, duas compositoras brasileiras escreveram concertos para piano: Clarisse Leite e Najla Jabor. O Concerto para piano e orquestra de Najla Jabor é de 1953 e estreou em Recife, pelas mãos da pernambucana, pianista e também compositora Graciette Câmara Quadros.

Najla Jabor terá seu centenário de nascimento no próximo ano de 2015.
 
Clarisse Leite escreveu dois Concertos para piano e orquestra: o primeiro é de 1972 e o segundo, para piano, orquestra, órgão e coral, de 1975, não é só para piano: é um concerto tríplice. Não temos notícia da estréia de nenhum dos dois, apesar da popularidade da compositora.

Hoje há uma crescente procura por obras de mulheres compositoras, cujas apresentações são cada vez mais frequentes. Mas as performances se restringem, em âmbito mais tradicional, em peças para piano, ou canto e piano; em âmbito mais atual, em peças de conformação não estritamente tonal, e de discurso musical de sintaxe mais abrangente. As óperas de Jocy de Oliveira, substancialmente performáticas, as peças de caráter indigenista de Maria Helena Rosas Fernandes, a obra nacionalista de Kilza Setti e Adelaide Pereira da Silva, as compositoras mais recentes, Marisa Rezende, Silvia de Lucca, Denise Garcia e Valéria Bonafé, entre outras, vêm encontrando espaço entre solistas e orquestras.

Sempre me entristece lembrar um regente brasileiro radicado na Europa, que teve oportunidade de conhecer meu livro Mulheres Compositoras – elenco e repertório. Ele comentou comigo que achou o livro notável, mas que a obra de mulheres compositoras é “curiosidade”.

Será mesmo? 

Só o tempo dirá.