quarta-feira, 2 de junho de 2010

ROSÁRIA GATTI - HOMENAGEM A GRANDES MULHERES

Há maneiras muito variadas de recuperar o repertório de Mulheres Compositoras. E, pela somatória de todas essas maneiras e toda essa variedade, chegaremos ao resultado final mais desejável: que as obras escritas por mulheres passem a integrar repertórios de todos os gêneros, sem qualquer espécie de discriminação.

Pois essa tendência se manifestou claramente na “Homenagem a Grandes Mulheres”, feita pela pianista paulistana Rosária Gatti no dia 23 de maio p.p., na Sala dos Espelhos do Memorial da América Latina. Na primeira parte, ela prestigiou as “Mulheres que inspiram compositores”: Glória, de Bonfiglio de Oliveira; Victória, de Ernesto Nazareth; Iara, de Anacleto de Medeiros; Dona Nega, de Izaías de Almeida; Celiza, de Joubert de Carvalho; Marilene, de Pixinguinha. Ao fim de cada música – e todas são muito bonitas – ela oferecia uma rosa vermelha às mulheres presentes, que tivessem o mesmo nome.

Essa primeira parte expressou sobretudo muita simpatia pelo tema, simpatia que transparece na maneira como ela fala e toca: com simplicidade, conversando com o público. Mais que simpatia; é empatia verdadeira, pois se percebe claramente que ela se identifica com a faceta brejeira da música brasileira. Com muita naturalidade, Rosária Gatti soma sua técnica de pianista de formação clássica com a ginga e o requebro dos chorinhos, polcas e valsas que escolheu com muito bom gosto.

AS MULHERES COMPOSITORAS

As nove compositoras escolhidas foram seqüenciadas de forma a alternar características de gênero e estilo. Quem abriu alas para esta segunda parte foi, é claro, Chiquinha Gonzaga, que neste ano completou 75 anos de falecimento (17.10.1847-28.02.1935). Janiquinha, a peça escolhida, foi uma homenagem que Chiquinha fez a sua amiga, e também compositora, Joana Leal de Barros, carioca como ela, e que, entre os amigos, atendia por esse carinhoso diminutivo.

A compositora seguinte foi Dinorá de Carvalho, mineira radicada em São Paulo, com sua Toada Paulista, que, tocada em um andamento mais vivaz que da Toada, ganhou um jeitinho de choro. Dinorá atravessou décadas lecionando piano e compondo,e compôs em estilos variados. Sua Toada Paulista, como o nome revela, é dos tempos do nacionalismo. Também Dinorá teve uma data redonda em 2010, pois faleceu no mesmo dia e mês que Chiquinha, só que no ano de 1980.

Rachel Peluso, cuja integral da obra está depositada na Casa da Cultura de Santo Amaro, em São Paulo, foi representada pela valsa Ternura, uma de suas belas valsas e, como disse Rosária depois de apresentar a música, “é preciso ter muita ternura no coração para escrever uma obra assim...”

E a seguir, um choro: Zangado, de Inah Machado Sandoval. Dona Inah viveu bastante e, mesmo com muita idade, nunca perdeu a brejeirice e o bom-humor, que fica expresso inclusive nos títulos de suas músicas.

Lina Pires de Campos, famosa por suas aulas de alta interpretação pianística, e que foi professora de Rosária por 12 anos, foi representada por uma obra da mocidade, Por ti...chorei, que ainda está em manuscrito. Esta música é de quando ela ainda assinava Lina Del Vecchio – pois era da família fabricante dos famosos violões. A propósito: mais tarde ela estudou composição clássica e passou a ser considerada uma das representantes mais significativas da Escola Nacionalista de Composição,em São Paulo. Esta obra ainda é de sua fase popular, mas já mostra bom-gosto e inspiração.

Carolina Cardoso de Menezes, filha de um famoso compositor do começo do século, Osvaldo Cardoso de Menezes, fez carreira no rádio e em gravações e era mais intérprete (pianista) que compositora, pois deixou poucos títulos. Expressinho, o choro que foi apresentado, é um dos mais conhecidos, entre os de sua lavra.

Lina Pesce foi provavelmente a compositora de música instrumental mais popular no Brasil, depois de Chiquinha Gonzaga. Na década de 30, ganhou um prêmio num concurso de marchinhas de carnaval de São Paulo, com Você gosta de brincar. Na década de 40, seu choro Bem-te-vi atrevido, desafio (e dos grandes) para todos os pianistas, virtuoses ou não, foi gravado em órgão pela americana Ethel Smith, depois de integrar com sucesso o filme Twice blessed (Dupla ilusão). E ganhou mundo... Rosária a integrou ao elenco de compositoras do recital com o choro Elegante.

E aí, a Escola Nacionalista de Composição foi novamente representada por uma compositora viva, que bem merece ser sempre apresentada em recitais,e, felizmente, sempre está: Adelaide Pereira da Silva. Sua Valsa Choro nr. 2, estilização primorosa do gênero, com muitas dificuldades técnicas, reviveu os momentos de glória da Escola a que pertence, graças, inclusive, à interpretação correta e expressiva.

O recital foi encerrado com muito brilho, com a peça Correndo atrás, choro de grande brilho e velocidade, da compositora Maura Sandoval, filha de Inah Sandoval. Que esteve presente e recebeu as devidas homenagens, como se nela estivessem sendo homenageadas todas as compositoras.

Depois de um bis igualmente brilhante, o famoso Bem-te-vi atrevido, houve um congraçamento muito gostoso, entre artista e platéia, com distribuição de rosas vermelhas, manifestações e aplausos... Como se não estivéssemos em uma grande cidade, com milhões de habitantes, mas fôssemos, pela ação milagrosa da música, uma grande família: a família dos que ainda se sentem tocados pela nossa música, tão brasileira, tão rica, tão bela e quase sempre tão esquecida...

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