DUAS VEZES ONTEM

Eu sabia que algum dia haveria de encontrá-lo e poderia agradecer. E isso demorou um pouco, mas acabou acontecendo, numa manhã: ele saía da sala da diretora do Teatro Municipal de São Paulo, onde havia acertado uma apresentação, e eu vim pelo corredor, a serviço, no exercício da função de chefe do Arquivo de Partituras.
O encontro foi em frente ao elevador. E eu cheguei perguntando:
- Você é o Pedrinho Mattar, não é?
- Sim, sou, respondeu sério e um pouco na defensiva.
- Pois quero agradecer uma coisa que você fez por mim há muito, muito tempo...
(A apreensão deu lugar a uma expressão de curiosidade)
- ... pois você defendeu uma música minha num festival da Excelsior, em Ouro Preto, acompanhando a Roberta Faro...
A surpresa ficou ainda maior:
- Você? Mas então você deveria ser uma menina...
- Uma estudante do colegial.
Então ele me abraçou, calorosamente. E lembrou, com os olhos levemente enevoados:
- Foi a convite do meu amigo Kalil Filho... que já se foi... Sim, eu me lembro...
E voltando ao presente:
- E agora?
- Sou chefe do Arquivo de Partituras. E escrevi um livro chamado Mulheres Compositoras, Elenco e Repertório, onde indico além das biografias, partituras e gravações de arquivos públicos... para todos poderem consultar...
E ele ficou confuso:
- Acho que eu nunca gravei nada no gênero...
E sua expressão facial foi de espanto, quando citei, de sua enorme discografia, o que havia feito também por outras compositoras.