Em O GÊNERO DA MÚSICA – A construção social da vocação, a
autora Dalila Vasconcellos de Carvalho empreende um trajeto cuidadosamente
pensado: refaz a situação da música no Brasil e no Rio de Janeiro, antes do
surgimento das duas personagens que são realmente o fulcro de seu trabalho,
inicialmente um trabalho acadêmico orientado pela Profa. Dra. Fernanda Arêas
Peixoto.
As duas personagens que Dalila analisa, Joanídia Sodré e
Helza Cameu, nasceram na então capital federal no mesmo ano, 1903, e
desenvolveram carreira como musicistas. De formação semelhante, encaminharam-se
inicialmente para a carreira de concertista, um espaço sempre e ainda hoje
muito incerto e oscilante em nossa sociedade. Esta, embora sancione
positivamente o estudo do piano entre as mulheres, se mantém míope quanto à
visualização do “como empregar” a longa e exaustiva trajetória de quem se
dedica à atuação como intérprete, em um país onde faltam salas, falta interesse
da mídia e, sobretudo, falta público. Por razões diversas, ambas estudam
composição musical e adentram o meio dos compositores, onde até hoje os
intérpretes resistem às obras compostas por mulheres.
Do perfil de ambas, pode-se dizer que são personalidades
diferentes, que encaminham seus interesses na música em direções semelhantes. Ambas se fixam em funções paralelas ao exercício da
música propriamente dito, mas para as quais o conhecimento adquirido em seu
tempo de estudo determina o bom desempenho nessas funções. (Em verdade, todos
os que exercem essas funções deveriam ter bagagem ampla e especializada, como elas, o que nem
sempre acontece). Joanídia Sodré assume a direção do Instituto Nacional de
Música, e Helza Cameu passa a trabalhar nos programas da Rádio MEC ao mesmo
tempo em que se dedica à pesquisa de música indígena.
Apesar de Joanídia ter escrito uma ópera, com a qual
ganhou uma bolsa de estudos para o exterior, hoje em dia praticamente não se
conhece nada de sua autoria, em quanto Helza, cujos estudos de composição foram
sempre orientados por brasileiros, continua despertando interesse das novas
gerações.
Dalila de Carvalho, cuja formação universitária é em
Ciências Sociais, estudou Música, e embora isso não seja posto em destaque, sua
familiaridade com a situação das musicistas lhe dá uma justeza de critérios que
permeia todo o texto. Ela combina uma avaliação cuidadosa da situação das
carreiras ditas “femininas” e “masculinas”, das posturas sociais exigidas das
mulheres, e da crítica sempre restritiva e ao mesmo tempo benevolente. Aproxima
polos opostos, sem transformar a justa denúncia de suas palavras em panfleto
feminista. Se o livro pode e deve ser lido pelo público em geral, deveria ser
lido principalmente pelos músicos, entre os quais encontramos, até hoje, a
reprodução de afirmativas tradicionais de posturas injustas e mal pensadas, de
preconceitos, enfim.
CARVALHO, Dalila Vasconcellos de O gênero da música – A construção social da
vocação. São Paulo, Alameda, 2012. 209 p. com ilustrações.
3 comentários:
Fiquei muito interessado por este livro. Baseando-me na ótima resenha escrita neste blog, o livro de Dalila pode ser um frescor no caminho ainda árido do estudo das mulheres compositoras em nosso país. Obrigado Nilcéia pela divulgação e promoção da cultura musical erudita brasileira.
Já comprei o meu e estou curtindo muito... Além de muito bem escrito, o livro é gostoso de ler. Adorei quando Dalila colocou a vocação como um fato social, questionando o mito do gênio e do artista. A vocação e a inspiração existem, claro, mas são necessárias condições básicas para que possam florescer. É a tal cognição social, que graças a escritoras como Dalila Vasconcellos e Nilceia Baroncelli, vêm ampliando seu campo de ação e derrubando diversos preconceitos!
Eliana Monteiro da Silva
Excelente resenha de um trabalho tão cuidadosamente escrito!!
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