quarta-feira, 31 de julho de 2019


TOSHIKO AKIYOSHI, COMPOSITORA DE JAZZ E ATIVISTA DE CAUSAS AMBIENTAIS

O desastre ambiental de Mariana, em Minas Gerais, completou três anos em 2019. A seguir um outro, semelhante, e ainda de maiores proporções, assolou o mesmo Estado do Brasil. Agora é, portanto, importante e oportuno relembrar um desastre ambiental, de 1953, que abalou o Japão, e a maneira como ele se tornou inesquecível através da música.

A compositora Toshiko Akiyoshi nasceu em 1929. Estudou no Japão e na Berklee  College of Music, em Boston. Depois de se apresentar em orquestras sinfônicas como solista de piano, Toshiko se encaminhou para o terreno do jazz e nele obteve grande sucesso. Casou-se em 1959 com Charles Mariano, saxofonista, com quem teve a filha Michiru, e formou o Quarteto Toshiko-Mariano. Divorciada, formou com o segundo marido a Toshiko Akiyoshi-Lew Tabackin Big Band. Sempre muito elogiada, atuou como jazzista desde 1952. Tocou com Charles Mingus, compôs trilha sonora para o filme sueco The Platform 1964 e no mesmo ano participou do World Jazz Festival, apresentando a batida 5/4 ao piano. Teve seu mérito reconhecido em 1984, por exemplo, ao ganhar o Ten Women of the Year (data não identificada) e o prêmio Down Beat como arranjadora e compositora de Big Band4. Esteve no Brasil nesse mesmo ano.

No decurso de sua vida, a pianista e compositora se destacou, indiretamente, mas com muita força, como ativista. O primeiro vinil da Toshiko Akiyoshi-Lew Tabackin Big Band foi Kogun, lançado primeiro no Japão e depois nos Estados Unidos. É dedicado ao soldado japonês encontrado numa ilha do Pacífico, escondido nas selvas, depois do fim da 2ª Guerra Mundial. Este LP tem como faixa-título Kogun, que significa ‘aquele que luta sozinho’, conforme nos esclarece Luiz Orlando Carneiro, em seu livro Elas Também Tocam Jazz.  A trilha de Kogun mistura sons japoneses arcaicos com sons jazzísticos. Esse soldado – personagem do filme, em solidão absoluta, se manteve de prontidão para continuar a lutar. Aqui a compositora relembra a fidelidade do povo japonês à pátria e ao Imperador, não aceitando o resultado final da 2ª Guerra.

Em 1999, Kyudo Nakagawa, monge budista, pediu a ela que escrevesse uma peça sobre Hiroshima. Para que conhecesse de perto o que foi esse acontecimento, enviou-lhe fotos sobre o pós-lançamento da bomba nuclear. Ela ficou horrorizada. E manteve esse estado de puro terror até o momento em que viu, em uma foto, uma jovem que saía, de um abrigo subterrâneo, com um sorriso. E compreendeu o que significou aquele sorriso, para a jovem, em 1945, e para ela, 54 anos depois: uma mensagem de esperança. E assim surgiu Hiroshima: Rising from the Abyss (Hiroshima: levantando-se do abismo). A música estreou em Hiroshima em 6 de agosto de 2001, 56º aniversário do lançamento da bomba na cidade japonesa, que marcou o fim da 2ª Guerra Mundial. O álbum Hiroshima: Rising from the Abyss foi lançado em 2002.

Já a Suíte Minamata, que dura 21’ 37”, é gravação do LP Insights, de 1976. Esta obra lembra – e não nos deixa esquecer – o desastre ambiental ocorrido numa pequena aldeia de pescadores do Japão, em 1953. Devido ao lançamento de mercúrio no mar, desde a fundação da fábrica Minamata, nos anos trinta, os peixes foram ficando envenenados e transmitiram esse envenenamento às pessoas e animais que os ingeriam. A Suíte Minamata tem três partes: Peaceful Village, Prosperity & Consequence, Epilogue. A peça começa com um vocalise feito por Michiru Mariano, filha da compositora. Depois do brilhantismo dos sopros da Big Band, os Suzumi, tambores rituais do Japão, são integrados a efeitos vocais de um artista Nô, Hisao Kanze. A voz do artista se soma a séries de acordes produzidos pela orquestra e finalizam a suíte com intensa dramaticidade.

Entre os vários dicionários de compositoras surgidos a partir dos anos oitenta, dois incluíram o nome desta pianista e compositora: International Encyclopedia of Women Composers, do sul-africano Aaron Cohen (1981), e Mulheres Compositoras – Elenco e Repertório (1987), de minha autoria. O perfil dos dois livros se assemelha um pouco, na medida em que ambos extrapolam o campo erudito e didático, que são os únicos nos demais livros, e informam sobre compositoras de outros gêneros musicais. Neste caso, o jazz.

Em dezembro deste ano, 2019, Toshiko Akiyoshi completará noventa anos.  

Mais informações sobre a pianista, arranjadora e compositora ativista Toshiko Akiyoshi, sua carreira, discografia e prêmios podem ser encontradas em https://wikipedia.org/wiki/ToshikoAkiyoshi
Quanto ao desastre ambiental, procure Minamata - nome do próprio local, ou Doença dos Gatos Dançantes (animais com desordens neurológicas causadas pelo mercúrio), e Mal de Minamata.

OS DESASTRES AMBIENTAIS E AS SEQÜELAS QUE GERAM JAMAIS DEVEM SER ESQUECIDOS

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

WOMEN COMPOSERS, de Otto Ebel (1902)


Women Composers, de Otto Ebel, publicado em 1902, pode ser baixado da internet. É um livro em inglês, de 151 páginas, das quais, nesse exemplar disponibilizado, falta a página 81.

Embora seja mais conhecido e citado como Women Composers, ele tem como subtítulo A Biographical Handbook of Woman’s Work in Music. O editor é F. H. Chandler, de N.Y., e a dedicatória se volta totalmente às estadunidenses: “Respectfully dedicated to the Women’s Musical Clubs of America”.

Ele pode e deve ser analisado sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, o número de verbetes, que são 760, mas poderiam chegar a 765 ou um pouco mais, se conseguíssemos resgatar a página faltante nesse exemplar disponibilizado.

Em segundo lugar, ainda não se pode afirmar que seja o primeiro a tratar deste tema, uma vez que são resgatadas, com muita freqüência, obras antigas que passam décadas, às vezes séculos, no esquecimento. Mas, pelo menos, até agora, é o primeiro em seu formato: um dicionário de mulheres compositoras, como diz o próprio nome.

Na dedicatória fica mais ampliado o sentido desse trabalho, uma vez que o autor inclui, entre as compositoras, inúmeras musicógrafas – não necessariamente compositoras. Essas escritoras não aparecem nas obras posteriores sobre o tema Mulheres Compositoras, muito adequadamente; mas a contribuição que ele nos dá, no sentido de ampliar o aporte das mulheres musicistas, em assuntos correlatos e complementares, é inestimável.

Seu conteúdo, entretanto, extrapola a dedicatória. Ele consigna compositoras da África do Sul (de origem alemã) (1), Alemanha (179), Áustria (15), Bélgica (1), Boêmia (atual República Tcheca) (9), Dinamarca (5), Escócia (6), Espanha (2), Estados Unidos (136), França (94), País de Gales (2), Holanda (6), Hungria (3), Inglaterra (165), Irlanda (6 ou 7, o texto não é claro), Islândia (3), Itália (41), Noruega (2), Polônia (7), Portugal (1), Rússia (8), Suécia (5), Suíça (1) e Venezuela (1).

Otto Ebel nem sempre indica o país de origem, e a data de nascimento e falecimento; ou só nascimento ou só falecimento. Esses dados, até hoje, são os mais difíceis de conseguir: a data de nascimento porque às vezes é ocultada ou negada pela compositora; ou, ainda, manipulada, como acontece geralmente não só entre músicos, mas também entre atores e atrizes. Já a ausência de uma data de falecimento pode significar (e isso não se pode afirmar com certeza absoluta) que a compositora saiu de cena anos antes de falecer, e por isso não tem seu falecimento noticiado.

Note-se que neste livro apenas 128 compositoras, das cerca de 760, têm as duas datas assinaladas. Entretanto, muitas continuaram vivendo e atuando mesmo depois da publicação do livro, em 1902. Já as que não têm datas, mesmo sendo de séculos anteriores, são 449. E os nomes que não têm nenhuma informação, de data ou local de nascimento, somam 132.

A maioria dos nomes constantes nesse livro é de compositoras nascidas no próprio século XIX, ou nascidas no século XVIII, mas vivendo parte de suas vidas no século XIX, e nele falecendo. A data mais antiga nele consignada é a da única compositora portuguesa, Bernarda Ferreira de Lacerda, nascida no Porto em 1595 e falecida em 1644. Do mesmo século XVI são 5 italianas, e mais duas italianas do século seguinte. A Alemanha tem uma compositora do século XVI e também a mais antiga de todas, Roswitha, cuja data de florescimento é 980 – pleno século X.

Num estudo posterior, indicaremos as outras quatro obras que conhecemos sobre o tema, editadas a partir dos anos 1980. Comparando os verbetes poderemos concluir, ou pelo menos ter uma aproximação, de quanto a pesquisa, de 1902 para cá, evoluiu no sentido de completar dados.     

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

MULHERES COMPOSITORAS (meu primeiro artigo sobre o tema)

O crítico do New York Times, Donald Henahan, num artigo recente declara: “O longo eclipse da mulher como compositora está chegando ao fim”. Para chegar a essa conclusão, ele ouviu e analisou obras contemporâneas, e preconiza com entusiasmo um lugar ao sol para as compositoras do presente e do futuro. Talvez uma nova mentalidade em relação à mulher compositora esteja surgindo.

                                MULHER MUSICISTA, NA ANTIGÜIDADE


Não existe referência direta à participação da mulher na atividade musical dos povos antigos, pois não havia consciência da mulher como participante e, além disso, há pouca informação sobre a música em si. Os antigos painéis egípcios mostram sempre mulheres tocando instrumentos – os de sopro, principalmente, seriam proibidos aos homens? Quer dizer que as mulheres tocavam – embora não se saiba se elas compunham o que tocavam. Segundo L. Ellmerich, “também em Canaã, que era fonte inesgotável de músicos, procuravam-se, principalmente, as orquestras de mulheres e dançarinas”.
Na Grécia, tocar flauta podia ser fator de ascensão social para a prostituta comum – “pornai” – que passava a “alêutrida”. Indro Montanelli, que também afirma que Aspásia foi a primeira feminista da História, conta que ela fez essa ascensão, antes de tornar-se “hetera” (categoria mais elevada ainda de mulher livre); depois, Aspásia casou-se com o estadista Péricles e chegou a fundar uma escola de filosofia e letras para moças, que fechou logo depois, por ser motivo de  escândalo.
Hoje nossos hábitos artísticos são mais “especializados”, mas na Grécia escrever poesia, criar música para ela, cantá-la e dançá-la era um só ato de criação. Das quatro diferentes artes conjugadas de um autor grego, só a poesia pôde ser grafada e conseqüentemente só ela chegou até nós. Por isso, hoje fala-se de Safo como poetisa, quando ela foi também compositora de talento, ocupando lugar de destaque entre os expoentes da Arte Grega, juntamente com Myrtis e Corinna (outras compositoras), ao lado de Píndaro e Anacreonte. Como todo artista atuante, Safo não foi poupada pela censura, que proibiu um “modo” (escala para composição) criado por ela por ser considerado “lascivo”.
As reuniões de família dos romanos eram animadas por audição de peças das damas, que assim exibiam mais uma de suas prendas – como se fazer música fosse o mesmo que executar uma toalha de crochê. Mas os romanos tiveram uma musicista que passou para a História. Santa Cecília, mártir cristã, hoje padroeira dos músicos.

NA SOCIEDADE OCIDENTAL


Na Idade Média, não há quase referência ou ilustração sobre a atividade musical feminina. Mas Tiana Amarante menciona o “Livro de Paula”, espécie de guia de comportamento para meninas, no qual um Marcelino de Carvalho da época previne que a menina não deve sequer tomar conhecimento da existência da música, a bem de sua moral.
Apesar da mentalidade vigente, uma grande figura de compositora surge na Idade Média – e é importante notar que ela deixou seu nome, numa era de autores anônimos: Santa Hildegard de Bingen. Alemã, também poetisa, ela viveu de 1098 a 1179 e compôs cerca de setenta peças musicais religiosas e o drama Ordo virtutum.
À medida em que termina a Idade Média, surge a ópera, delineia-se o balé, renasce o teatro; mas a participação da mulher nessas atividades é por algum tempo limitada. Até o século XVII, os papéis femininos eram sempre representados por homens, que afinal eram as maiores vítimas dos preconceitos: eram castrados, ao chegar à puberdade, para que suas vozes se mantivessem num registro agudo. Esse costume, bárbaro para nossos padrões atuais, foi acabando pouco a pouco, mas demorou para extinguir-se, pois o próprio Haydn (1732-1809), foi convidado a castrar-se e seu pai não o permitiu.

COMEÇAM A SURGIR COMPOSITORAS


O fim da castração coincide com o aparecimento das primeiras compositoras, e não por acaso. Tendo acesso à cena e à música, as mulheres puderam vir a ser profissionais, o que lhes garantia melhor formação musical e a possibilidade de mostrar o próprio trabalho.
O número de compositoras vai aumentando à medida em que o tempo passa. Nascidas no século XVII, temos cinco compositoras, das quais quatro são membros da família Couperin, que, como a família Bach, sobejava em músicos. Já o século XVIII registra treze compositoras. Amélie Julie Candeille e Maria Theresia von Paradis parece que foram as de maior êxito; mas o mesmo século poderia ter visto Anna Maria Mozart, talento precoce como o irmão, que não alcançou o profissionalismo e a fama deste.
O romantismo (século XIX) foi o período mais brilhante de nossa música ocidental e é também o mais documentado. Além das vinte e uma personalidades femininas de compositoras do período, merecem destaque especial Fanny Mendelssohn e Clara Schumann.
Fanny Mendelssohn foi a irmã de Felix e, como ele, recebeu primorosa educação musical. Dizem que aos nove anos tocava de memória o “Cravo Bem Temperado”, de Bach. Fanny dedicou-se à composição e suas peças aparecem, hoje, entre as do irmão, assinadas por ele. Kurt Pahlen diz que “Fanny sem dúvida se houvera tornado uma das pouquíssimas mulheres com gênio criador na música, se o pai não a houvesse convencido da opinião geral da época de que a arte para as mulheres só poderia ser adorno e passatempo, nunca uma profissão”.
Já o pai de Clara Wieck Schumann tinha uma outra posição. Era professor de piano e logo reconheceu o talento excepcional da filha: determinou mesmo que ela não se casasse, para poder dedicar-se inteiramente à música. Robert Schumann precisou recorrer aos tribunais para casar-se co ela, pois Herr Wieck opunha-se tenazmente ao casamento dos dois, apesar de gostar muito de Robert. De certa forma, esse pai radical tinha razão. Casada, Clara enfrentou todo tipo de dificuldades, teve seu tempo dividido entre o trabalho de casa, os seis filhos e, depois de algum tempo, as sucessivas crises de loucura do marido. Quando ele morreu, ela passou a sustentar a família, dando aulas de música e concertos para divulgar a obra dele. Suas composições, de nível respeitável, só agora começam a sair do esquecimento, mas ainda não têm a divulgação que merecem.
Do fim do século passado para cá é que se encontra a maior proporção de mulheres compositoras, ao todo setecentas e sessenta e três (exceto as brasileiras) das quais algumas encontraram apoio e chegaram a desenvolver carreira brilhante. Como Germaine Tailleferre, que pertenceu ao Grupo dos Seis, Gena Branscombe, Luísa Casagemas Poll, Mabel Wheeler Daniels e ainda Cécile Chaminade, autora da famosa “Scarf Dance”. Lili Boulanger (1893-1918), irmã da famosa Nadia Boulanger professora de harmonia que lecionou grandes nomes de nossa música contemporânea – foi uma compositora de extraordinária fertilidade. Com quatro anos de estudos assimilou os conhecimentos de conservatório. Apesar dos preconceitos, ganhou o Grande Prêmio de Roma, em 1913. Faleceu aos vinte e cinco anos e é reconhecida como um gênio inconteste.

NO BRASIL


A atividade musical da mulher brasileira poderia constituir-se num estudo à parte, pois o desenvolvimento cultural brasileiro segue rumos bem diferentes do europeu, ou norte-americano.
No Brasil Colonial viveu uma certa Dona Mariana, compositora de modinhas; e F. Kurt Lange, que pesquisou o ciclo do ouro, se refere a Ana Maria dos Santos, organista cega, e Thomazia Onofre do Lírio, ambas substitutas (em diferentes ocasiões) de Lobo de Mesquita – pois com a decadência da mineração as despesas foram reduzidas, substituindo-se os músicos de melhor paga pelos de menor.
No século passado, a condessa Rafaela Roswadovska encenou no Rio (1862) uma ópera de sua autoria, “Dois Amores”. Alguns anos depois, uma outra mulher encenava óperas no Brasil: Chiquinha Gonzaga. Mais conhecida como compositora popular, era também excelente compositora de operetas; e sua primeira ópera, com libreto de Artur Azevedo, não foi encenada... por ser música escrita por mulher. Mas as seguintes setenta e cinco o foram, com sucesso. Fazia também orquestração e foi a primeira mulher a reger em público no Brasil.
Dinorá de Carvalho, ainda hoje atuante, acumula prêmios no Brasil e Europa. Talvez seu nome não seja conhecido pelos brasileiros como mereceria, e como o é no exterior, mas neste ano de 1976 ela ganhou o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Música, com a sua Sonata.    

BARONCELLI, Nilcéia C. da Silva, jornal Brasil Mulher, São Paulo, ano I, nr. 5, 1976, p.15


quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

MARIA APPARECIDA CÔRTES MACEDO E SEU CONCERTO PARA PIANO

Com uma carreira em que predomina a atuação como pianista, não surpreende que Maria Apparecida Côrtes Macedo tenha escrito um concerto para seu instrumento. Inicialmente intitulada Fantasia, a peça estreou em formação camerística em 1980, com regência de Tonyan Khallyabby frente à Camerata Musicamara, da qual era pianista oficial.

Grande parte da obra desta compositora é para piano, ou para canto e piano, e vem sendo apresentada e gravada regularmente em São Paulo. Também no campo da música popular obteve prêmios em concursos no interior de São Paulo.

O Concerto para Piano e Orquestra, apresentado no dia 25 de janeiro, em celebração pelo aniversário da cidade de São Paulo, já havia estreado, na forma Concerto, em dezembro de 2015, no Teatro Cacilda Becker, em São Bernardo do Campo.  Nesta apresentação o pianista foi José Mauro Peixoto e o regente, Geraldo Olivieri, frente à Orquestra Sinfônica de São Bernardo do Campo. Integrou o programa também o Réquiem de Gabriel Fauré, compositor do impressionismo francês.
Na apresentação de 25 de janeiro tivemos oportunidade de assistir, com o Teatro São Pedro repleto de público vibrante e entusiasta, que aplaudiu de pé, o Concerto para Piano e Orquestra de Maria Apparecida. Esta obra dividiu o palco com a Abertura Trágica op. 81, de Johannes Brahms, e com o Concerto para Quatro Trompas op. 86, de Robert Schumann, dois dos grandes representantes do romantismo alemão.

Este Concerto é em três movimentos: Andante, Adagio, Allegro. Apresentado entre as duas obras, reconhecidas internacionalmente, o Concerto mostrou um brilho muito especial – aquele brilho que acompanha a própria imagem do Brasil. Exuberante sem exageros, com belíssimas melodias em cada movimento, não utiliza os clichês que quase sempre estão presentes nas peças nacionalistas: escalas e células rítmicas. O bom gosto em sua elaboração, e a orquestração de Otávio Simões, equilibrada e sem redundância, fez desta peça um retorno ao nosso ímpeto atávico de ser feliz, depois de tanto tempo em que a música brasileira está alijada das salas de concerto. E os aplausos duradouros e intensos comprovam que o público presente percebeu tudo isso – e aprova incondicionalmente.

Merecem um chamado especial o jovem e excelente pianista Renan Branco, graduado na classe de Amilcar Zani, na USP, em 2014. E o brilhante regente André dos Santos, assistente de Luiz Fernando Malheiro, com excelente currículo nacional e internacional. Também a Orquestra do Teatro São Pedro faz jus a elogios, com sua precisão e clareza perfeitamente audível em cada sonoridade.

Dentro do mesmo programa, os solistas Rafael Nascimento, Eric Gomes, Lucca Soares e Vagner Rebouças, do Concerto para Quatro Trompas op. 86, de Robert Schumann, tocaram integrados e coerentes em sua interpretação, entre si e com a orquestra. No arcabouço da obra de Schumann há uma rede sutil de ilações harmônicas e interpretativas, que exigem dos intérpretes, da orquestra e do regente, uma percepção aguda e muito equilíbrio, equilíbrio que esteve presente nesta récita e que fechou a noite com tranqüilidade, depois do emocionante trajeto colorido e brilhante do Concerto para Piano.   


Esperamos que em breve a gravação destas obras  esteja no YouTube, e esperamos mais ainda que se mantenham no repertório desta e de outras orquestras. 

sexta-feira, 26 de junho de 2015

VITEZSLAVA KAPRÁLOVÁ

Centenário de nascimento  (24.1.1915) - 75 anos de falecimento (16.6.1940)


 A história das mulheres na música em geral celebra Lili Boulanger (1893-1918), mas menciona com muita parcimônia uma jovem compositora que criou obra respeitável, embora tenha vivido apenas 25 anos: a tcheca Vitezslava Kaprálová (1915-1940).

São duas histórias de vida marcadas por algumas coincidências: ambas nasceram em famílias de músicos, ambas viveram apenas 25 anos e ambas morreram durante guerras. Ambas obtiveram reconhecimento em vida: Kaprálová regeu duas vezes uma obra de sua lavra, de grande envergadura orquestral, em sua pátria e em Londres, grande centro europeu; Boulanger ganhou aos 20 anos o Grand Prix de Rome, láurea importantíssima outorgada, por concurso, aos compositores franceses.  Lili Boulanger faleceu em 1918, no fim da Primeira Guerra Mundial, e Vitezslava Kaprálová faleceu no início da Segunda Guerra. Ambas tiveram problemas respiratórios e pulmonares, que as levaram a óbito.

O desenvolvimento musical de Vitezslava Kaprálová começou a ser sistematizado aos 15 anos, quando entrou em 1930 no Conservatório de Brno, sua cidade natal, onde estudou composição e regência. Seu trabalho de graduação, em 1935, foi um Concerto para piano e orquestra que ela mesma regeu. Em seguida foi a Praga, onde aperfeiçoou seus estudos nas mesmas matérias com Vitezslav Novak e Václav Talich, durante dois anos. Em seguida, ganhou uma bolsa de estudos do governo francês, e em Paris estudou regência com Charles Munch e composição com seu compatriota, o renomado Bohuslav Martinu.

De 1937 a 1940 ela viveu dias felizes: ao se casar com Jirí Mucha e ao reger sua obra Sinfonietta Militar, escrita aos 22 anos. Esta composição foi apresentada em 1938 pela Orquestra Filarmônica Tcheca, regida por ela e, no mesmo ano, pela Orquestra Sinfônica da BBC de Londres, na abertura do VI Festival Internacional de Música Contemporânea. Teve oportunidade também, no conturbado período que antecedeu a segunda grande guerra, de visitar sua pátria e sua família.

Muito importante foi o tempo de estudo com Martinu, seu mentor, com o qual desenvolveu uma amizade feliz. Essa amizade representou inspiração para ambos, mestre e discípula. Alena Nemcová, que escreve sobre ela no Boletim Noticias musicales de Praga (2–3, 1990), afirma que Vitezslava era para o compositor tcheco “um símbolo da primavera, um grande sonho efêmero”.    

Vitulka – como era chamada pelos mais íntimos – começou a compor aos 9 anos, estimulada pelo pai, respeitado pedagogo, compositor e pianista, Václav Kaprál.  O número de composições criadas durante sua vida tão curta chega a cinqüenta, e abrange diversos gêneros e meios de expressão. Além das obras já citadas, criou a Partita op. 2, para piano e orquestra de cordas, os Prelúdios de Abril, para piano, e diversos ciclos de canções.  

Devido à queda de Paris, Kaprálová deslocou-se para o sul da França. Com as dificuldades do cenário de guerra, teve a tuberculose agravada e faleceu em Montpellier no dia 16 de junho de 1940.

domingo, 14 de dezembro de 2014

A COMPOSITORA CAROLINA MARIA DE JESUS (1914-1977)



Em 1987 saiu publicado meu livro Mulheres compositoras – Elenco e repertório, convênio do Instituto Nacional do Livro e Roswitha Kempf Editores. Nos cerca de dez anos que passei pesquisando e escrevendo este livro, uma das grandes surpresas que tive foi descobrir o disco Quarto de despejo (RCA Victor), de 1960, só com músicas de Carolina Maria de Jesus, também intérprete. Estas músicas, que na gravação são apresentadas com orquestra e às vezes também coro, foram editadas em álbum de partituras, em arranjos para piano. Um exemplar desse álbum pertence ao acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga, do Centro Cultural São Paulo.

Li essas partituras, por ocasião da publicação do meu livro. Em outras fontes, encontrei referência a outras duas músicas de sua autoria, que não integram o LP: Maria e Quem foi que disse?

A leitura das partituras me impressionou muito, pela realidade que de repente se tornava um recorte musical diante de meus olhos, realidade que fotografa o que eu vi durante toda a vida. Como, aliás, todos os brasileiros vêm, embora muitos prefiram fechar os olhos. Mas, sinceramente, a leitura das partituras não se compara ao impacto da audição dessas músicas, pela própria voz dela, cheia e grave.
Nascida em 1914, ano em que eclodiu a cruel Primeira Guerra Mundial, Carolina, que provavelmente nunca estudou história, coloca a questão do que é a guerra para o pobre e o rico com uma assustadora clarividência: “Rico faz guerra, pobre não sabe porquê, pobre vai na guerra, tem que morrê” (O pobre e o rico, batuque). Na verdade, neste batuque ela expressa bem o que ocorreu na Europa, no período de seus primeiros anos de vida. Mas essa composição é atemporal, pois todas as guerras mostram claramente o desrespeito dos chefes de estado em relação às populações de seus países. E esse desrespeito continua, já que as guerras se multiplicam.  

Em geral, seus temas são do cotidiano, descritos com aguda observação e certo humor cáustico: Ra-re-ri-ro-rua, marchinha; A vedete da favela, samba; Pinguço, marcha; Acende o fogão, baião; O pobre e o rico, batuque; Simplício, samba; O malandro; Moamba, samba-toada; As granfinas, moda de viola; A Maria veio, baião; Quem assim me  vê cantando, valsa; Macumba, samba. 

Suas músicas são simples, mas de uma expressividade chocante.  Sobretudo porque a simplicidade de música e texto, de cada uma delas, é tão essencial que chega ao âmago de cada questão abordada.  Da mesma maneira que seu livro Quarto de despejo, também publicado em 1960.

Pena que o público leitor e ouvinte dos anos sessenta tenha feito como Pôncio Pilatos e lavado as mãos. E depois permanecido de cara lavada, ignorando, censurando e, principalmente, negando toda a verdade expressa. Como ela diria: “abluíram-se”. Ou que esse mesmo público tenha desviado a atenção para outros aspectos, bem secundários, diante de questões tão cruciais que ali estão. 

Edy Lima, jornalista, escritora e teatróloga, escreveu uma adaptação teatral do livro Quarto de despejo. Em Casa de alvenaria, segundo livro de Carolina, e que não obteve o mesmo sucesso, ela conta, no capítulo final, que foi assistir à estreia da peça Quarto de despejo. Terminado o espetáculo, o público começou a discutir, não a cruel realidade de grande parcela de nosso povo, mas se era válido colocar palavrões em textos teatrais...

Carolina conta que se levantou, retirou-se do recinto e ninguém percebeu!

Provavelmente seu segundo livro, os que foram publicados depois, e mesmo seu disco, talvez nunca tenham sido comentados, resenhados e criticados como Quarto de despejo. Mas, assim como vale a pena ler todos os livros, vale a pena também ouvir as músicas do disco, interpretadas pela própria Carolina, e que estão disponibilizadas no YouTube. 

Muitos escritores e compositores levantaram a questão da miséria, da negritude e da mulher. Com muita propriedade, sem dúvida. E todos eram homens. Mas quem coloca a questão olho no olho, da mulher negra, miserável, favelada, em queda de braço com a fome, diante de uma sociedade que era, e continua arrogante e indiferente, é Carolina Maria de Jesus. Que já morreu, mas que continua aqui, em cada esquina, em cada favela, embaixo de cada viaduto. E cujo grito não há de ser calado. 
 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

CÉCILE CHAMINADE E AMY MARCY BEACH



A compositora francesa Cécile Chaminade (1857-1944) e a estadunidense Amy Marcy Cheney Beach (1867-1944) são compositoras que sempre aparecem em obras de referência, isto é, dicionários e enciclopédias de música. Ambas completam 70 anos de falecimento agora em 2014, e passam a ter suas obras em domínio público, embora estas nunca tenham deixado de ser  interpretadas, no decorrer deste período.

Amy nasceu em família musical, com mãe pianista e cantora, estudou em Boston e atuou bastante como pianista, instrumento no qual estreou aos 16 anos, tocando um concerto de Ignaz Moscheles. Por algum tempo, foi solista frequente da Orquestra Sinfônica de Boston e outras grandes orquestras, além de fazer recitais de piano solo. Casou-se em 1885 com o Dr. Beach, e por insistência dela mesma, passou a assinar Mrs. H. H. A. Beach (o nome dele). Embora tenha estudado harmonia com Julius W. Hill, foi autodidata em contraponto, composição e orquestração, e depois de casada, passou a se dedicar primordialmente a compor. Só voltou a atuar como pianista depois de 1910, quando seu marido morreu; passou então 4 anos na Europa, onde se  apresentou em  Roma, Paris e Berlim. Voltando aos Estados Unidos, continuou compondo e tocando.

Amy foi a primeira estadunidense a compor uma obra orquestral de porte, a Sinfonia em mi menor op. 32, Gaelica, que estreou em 1896, pela Orquestra Sinfônica de Boston. Escreveu também uma ópera, Cabildo e, em 1899, o Concerto para piano em dó sustenido menor op. 45. Compôs também 4 cantatas seculares, no conjunto de uma extensa obra vocal que inclui cerca de 200 peças para canto e piano, obras corais, uma Missa e diversas outras obras sacras.
A Discoteca Oneyda Alvarenga, do Centro Cultural São Paulo, possui dela a partitura de seu Tema e variações para flauta e quarteto de cordas op. 80; e muitas de suas obras podem ser ouvidas no YouTube.   

Embora sua família não fosse propriamente de musicistas, Cécile também recebeu os primeiros ensinamentos da própria mãe, pianista e cantora. Começou a compor já na infância, e foi recomendada por Georges Bizet para desenvolver estudos musicais, o que fez com os renomados  professores franceses de sua época – mas em aulas particulares, já que o pai não consentiu que frequentasse o Conservatório de Paris. Começou a tocar em público aos 18 anos e logo foi convidada para uma turnê na França e na Inglaterra. O sucesso de suas peças pianísticas foi imediato, depois de estréias em que foram interpretadas por ela mesma.

Muitas de suas cerca de 200 obras para piano e 125 canções foram escritas com vistas à publicação e por isso ela é, até hoje, uma das compositoras mais editadas.  Mas seu repertório abrange também peças de mais fôlego, como a Suite d’orchestre op.20 (1881), Les amazones, sinfonia dramática op. 26 (1888), La Sévillane, ópera cômica (1882), Callirhoe, balé-sinfonia para grande orquestra, 2 trios com piano op. 11 (1881) e op. 34 (1887), Concertino para flauta op. 107 (1902) e Concerto para  piano e orquestra  (1893).

Um de seus Estudos de Concerto op. 35 (nr 2, Outono), seu Concertino para flauta op. 107 e sua Scarf Dance , trecho do balé Callirhoe (popularizada em inúmeras antologias de música pianística) são peças até hoje tocadas e gravadas, e podem ser facilmente recuperadas no YouTube, em excelentes gravações.

O Concertino para flauta, em sua versão flauta e piano, foi gravado inclusive pelo duo Irmãos Carrasqueira (Maria José e Antonio Carlos), ainda em LP, e foi apresentada em  São Paulo   pelo flautista Renato Camargo, com acompanhamento de banda.

Os compositores brasileiros, em geral, escrevem poucos concertos ou concertinos, devido à grande dificuldade de conseguir orquestras que os toquem. Além disso, a preparação do material orquestral é cara e dificultosa. Temos, entretanto, obras do gênero escritas por Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone e Oscar Lorenzo-Fernandez. Temos também o Concerto em formas brasileiras de Hekel Tavares, talvez o mais famoso e mais apresentado. 

Mesmo diante de inúmeras dificuldades, duas compositoras brasileiras escreveram concertos para piano: Clarisse Leite e Najla Jabor. O Concerto para piano e orquestra de Najla Jabor é de 1953 e estreou em Recife, pelas mãos da pernambucana, pianista e também compositora Graciette Câmara Quadros.

Najla Jabor terá seu centenário de nascimento no próximo ano de 2015.
 
Clarisse Leite escreveu dois Concertos para piano e orquestra: o primeiro é de 1972 e o segundo, para piano, orquestra, órgão e coral, de 1975, não é só para piano: é um concerto tríplice. Não temos notícia da estréia de nenhum dos dois, apesar da popularidade da compositora.

Hoje há uma crescente procura por obras de mulheres compositoras, cujas apresentações são cada vez mais frequentes. Mas as performances se restringem, em âmbito mais tradicional, em peças para piano, ou canto e piano; em âmbito mais atual, em peças de conformação não estritamente tonal, e de discurso musical de sintaxe mais abrangente. As óperas de Jocy de Oliveira, substancialmente performáticas, as peças de caráter indigenista de Maria Helena Rosas Fernandes, a obra nacionalista de Kilza Setti e Adelaide Pereira da Silva, as compositoras mais recentes, Marisa Rezende, Silvia de Lucca, Denise Garcia e Valéria Bonafé, entre outras, vêm encontrando espaço entre solistas e orquestras.

Sempre me entristece lembrar um regente brasileiro radicado na Europa, que teve oportunidade de conhecer meu livro Mulheres Compositoras – elenco e repertório. Ele comentou comigo que achou o livro notável, mas que a obra de mulheres compositoras é “curiosidade”.

Será mesmo? 

Só o tempo dirá.